O Herói de Mil Faces

17-07-2012 10:24

 

 

cartografia mental, Inconsciente coletivo, mitologia, hindu, grega, egipcia, PNL, magia, ocultismo, espiritualismo

 

    Prosseguindo com o que iniciei no texto sobre o Inconsciente Coletivo, escrevi algumas palavras a respeito de um arquétipo que merece alguns comentários mais específicos. O arquétipo de herói, retratado por vezes diversas em nossas produções culturais, representa o indivíduo que abandona seu estilo de vida por uma jornada por autoconhecimento, superação, aquisição de novas habilidades e conhecimentos e, em suma, toda uma vida nova. Estudaremos agora, caro(a) leitor(a), a presença desse arquétipo através da evolução humana e o modo como ele manifesta-se em nossas vidas.

 


 

    Para começar, peço que imagine um jovem rapaz. Faça força para imaginá-lo o mais normal possível: Apenas um jovem qualquer, que vive com sua família, estuda e trabalha para ajudar nas despesas da casa. O pequeno perfil de um cidadão comum, que não possui nada de especial, exceto um potencial que desconhece. Você consegue imaginá-lo? Apenas um rapaz latino-americano, que só quer ter uma fonte de sustento e chegar a uma velhice feliz? Imaginou? Ótimo.

    

    É assim que se inicia a jornada do Herói. Começa com um jovem qualquer, levando uma vida perfeitamente comum, até que algum evento surge para sacudir sua existência, forçando-o a abandonar o estilo de vida antigo – apesar de toda a sua contrariedade e toda a sua rebeldia a isso – para partir em uma jornada, partir em busca de algo que permita, pelo menos, restaurar a ordem natural das coisas. Ele abandona então sua família, seu lar e seus amigos e parte para um destino incerto, do qual não pode fugir.

 

    Você notará, leitor(a), que o que descrevi nos dois parágrafos anteriores pode ser aplicado a muitas coisas. Podemos usar essas palavras para descrever tanto o início da história de um sujeito do interior, perfeitamente real, que parte para um grande centro a fim de trabalhar e estudar, como para descrever o personagem principal de algum roteiro de sucesso como, por exemplo, o Luke Skywalker, personagem principal do filme Star Wars, dirigido por George Lucas, ou Marty McFly, protagonista da trilogia De Volta Para o Futuro.

 

    Esse mesmíssimo começo surge de novo e de novo, com detalhes diferentes, através das épocas, em culturas e histórias completamente diferentes. Aliás, não é só o roteiro. O estudo comparado de clássicos da mitologia, em diversas culturas, e das grandes obras-primas da literatura e do cinema nos permite perceber que suas narrativas seguem uma estrutura lógica perfeitamente delineável, contendo não apenas um começo, mas também desenvolvimento e conclusão que se repete e interliga. Isso sem falar dos personagens que, com passados diferentes e detalhes diversos, representam as mesmas idéias.

 

    Foi um homem chamado Joseph Campbell, um especialista em mitologia, quem primeiro se apercebeu disso e expôs de forma clara. Estudando as grandes histórias da mitologia ele percebeu o padrão por trás delas. Ele percebeu o modo como as aventuras dos grandes heróis, como Teseu, Ulisses, dentre outros, pareciam seguir pelos mesmos rumos, e notou diversas ligações entre elas. Ele percebeu que todas as histórias são, a bem da verdade, apenas uma, contada e recontada de vários modos, que continua a expressar as mesmas idéias. Não vários mitos, mas UM mito, idéia que recebeu o nome de Monomito.

 

    Campbell delineou da seguinte maneira os passos presentes na jornada do herói:

 

1. O Mundo Comum: O herói em sua vida comum, antes dos acontecimentos da história começar.
2.  O Chamado à Aventura: O momento em que algo muda a situação acima, apresentando um desafio, uma aventura, ao herói. O equilíbrio é, de algum modo, perturbado, e cabe ao herói restaurá-lo.
3.  A recusa do herói: O herói teme o desafio, evita-o ou mesmo foge dele.
4.  O encontro com o mentor: Entra em cena um mentor, alguém que vê potencial no herói e ajudando-lhe a iniciar a aventura, e começa a treiná-lo.
5.  Cruzando o primeiro portal: O herói abandona seu lar, adentra um novo mundo, com elementos novos e desconhecidos, um mundo especial ou mágico.
6.  Provações, aliados & inimigos: O herói passa por provações e, no processo, conhece amigos e inimigos, aprendendo a viver nesse novo mundo.
7.  Aproximação: O herói supera os desafios e aproxima-se de seu objetivo.
8.  Provação difícil ou traumática: A maior crise da aventura, uma questão de vida ou morte.
9.  Recompensa: O herói, vitorioso, tendo enfrentado a morte e vencido o medo, é recompensado (recebe o “Elixir”, uma bênção).
10.  O Caminho de Volta: O herói parte em retorno ao mundo comum.
11.  Ressurreição do Herói: Um teste final, no qual o herói enfrenta a morte e terá de usar tudo o que aprendeu.
12.  Regresso com o Elixir: Finalmente, o herói volta para casa com o “elixir”, que usa para solucionar os problemas e ajudar as pessoas de lá.

 

    Esse curto roteiro pode resumir tanto grandes clássicos mitológicos, como também filmes, histórias em quadrinhos, livros… Ora, você poderá notar uma clara semelhança entre a história do Rei Arthur e Luke Skywalker. Temos o jovem comum (comum até demais), temos o início de sua aventura, temos o encontro com o mentor, temos o poder sendo encontrado e representado simbolicamente como uma espada (Excalibur, no caso do rei, e pelo Sabre de Luz, no caso do Jedi).

 

    Note a semelhança entre os magos Merlin (o mentor do Rei Arthur), Gandalf (de O Senhor dos Anéis), Dumbledore (de Harry Potter) e personagens como o mestre Jedi Obi-Wan Kenobi (Star Wars), Dr. Brown (De Volta Para o Futuro), Frank (Donnie Darko), além de inúmeros outros exemplos possíveis. Em todos os casos, temos indivíduos fora do convencional e que possuem um conhecimento único, imensa experiência e que compartilhará com o herói aquilo que sabe, para que ele possa triunfar em sua tarefa – se bem que o Frank, do filme Donnie Darko, foge um pouco à regra quanto ao quesito “imensa experiência”, mas ganha vários pontos no “fora do convencional”.

 

    E por que é que essas histórias continuam fazendo sucesso ainda hoje?  É simples. Elas apelam à nossa psique porque seus personagens contidos nela são a representação de arquétipos que existem também em nós, e a própria história que é contada é uma história da qual fazemos parte, é nossa própria história, exposta sob um ponto de vista diferente. Sim… Todos nós aceitamos o papel de herói ao pisarmos nesse planetinha azul. Todos nós, caro(a) leitor(a), temos uma busca própria, única e intransferível. Todos nós temos o nosso “elixir” a ser obtido.

 

    É esse o sentido do que passamos por aqui: Vencer desafios e superarmos a nós mesmos, vencer nossas próprias limitações. O “elixir” é o contato com o aspecto eterno de nosso universo, o que há de divino no mundo e em nós, conquista simbolizada pela imagem do Santo Graal, conquistado pelo guerreiro da espada luminosa. E quando se consegue isso, é Tudo azul… Adão e Eva no Paraíso, sem pecado e sem juízo, e todo dia, livres, dois passarinhos… Cantar [*]

 

    Os clássicos da mitologia podem até descrever personagens que tenham existido, mas não fazem isso com fins biográficos. O objetivo dos autores foi representar os personagens como o máximo que eles poderiam ter sido, a representação máxima da virtude. Ora, Ulisses, d’A Odisséia, não é apenas um homem virtuoso… é a própria imagem da virtude. Conhecer os conflitos pelos quais ele passa é estudar os conflitos da vida humana, um estudo realmente valioso durante a nossa própria odisséia.

 

    Da mesma foram que um estudante de Artes Plásticas buscará conhecer o trabalho de artistas do passado, como inspiração, aquele que deseja viver uma vida mais plena, profunda e virtuosa buscará inspiração nas imagens que podem ser encontradas nas histórias eternas da mitologia, em personagens que, por representarem características infinitas, são também eternos. Conhecemos em seus conflitos os nossos conflitos, em suas dores as nossas dores, em sua busca a nossa busca. Eles exploram universos fantásticos nas histórias que lemos e ouvimos; ora, nós também! Nós também fazemos isso, mas num fantástico universo interno, onde enfrentamos, também, nossos monstros.

 

    É essa a nossa tarefa, a nossa aventura: Explorar o universo contido em nossa psique, em nossa alma, buscando encontrar aí, e somente aí, o nosso elixir. É uma jornada deveras complicada e cheia de reveses, sim, mas também temos nossos companheiros de jornadas, também temos, todos nós, os nossos mentores. E, sabe, quando o homem busca realizar-se, tornando-se aquilo que Se É, o universo conspira a favor e dá uma ajudinha. O mentor é um arquétipo, de modo que manifesta-se de várias maneiras… Como um pensamento, uma lembrança, uma pessoa que aparece no momento oportuno… Basta ficar com o coração aberto, vai saber, um raio pode cair, não é mesmo?

 

    Agora, antes de ir embora, ofereço algumas sugestões, caso você deseje se aprofundar mais no assunto Para começar, o Marcelo DelDebbio escreveu um excelente artigo intitulado Rei Arthur, Excalibur e Sabres de Luz, que vale a pena conferir. Ele também é autor de uma excelente referência sobre mitologia, a Enciclopédia de Mitologia. Sobre o conceito de Mito, há um documentário dirigido pelo George Lucas, de título O Poder do Mito, que é realmente interessante, feito todo em torno da obra de Campbell, que é entrevistado. Após ter visto o documentário, você pode procurar os livros desse autor, o homônimo O Poder do Mito e o livro O Herói de Mil Faces, este último tratando especificamente do arquétipo do herói e dos aspectos de sua jornada. Para complementar, quanto ao conceito de arquétipos, há o livro Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, de Carl G. Jung. E, é claro, todos os clássicos que você puder encontrar, começando por Homero.

 

    No mais, leitor(a), não lhe fará mal algum dedicar um ou dois minutos de seu tempo para comentar o texto. É o retorno que tenho, e realmente aprecio bastante receber comentários sobre aquilo que escrevo. Comentários, críticas, sugestões… é tudo sempre muito bem vindo.

    Um forte abraço, e até a próxima.

 

- Lucas Félix

[*] Quem provou sabe, quem provou lembra & não esquece. E só esses entendem.

P.S.: A lisergia prossegue aqui.

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O Herói de Mil Faces:

Joseph Campbell

Data: 17-07-2012 | De: Allam

Ele é um excelente autor, de vez em quando leio uns livros deles que tenho no PC, gosto muito dele, pelo fato de fazer comparações reais entre heróis de diversos mitos, entre eles, incluem a analogia de Hércules com a de Gilgamesh.

"A Escada de Jacó"

Data: 17-07-2012 | De: Pedro

Creio que a Jornada do Herói resume bem o paradigma espiritual... a quebra do "mundo dos 1%" através de um evento que lhe chama para a aventura... consigo ver paralelos, também, com a também conhecida "Escada de Jacó", em um sentido mais amplo.

Muito bom o texto.

Re:"A Escada de Jacó"

Data: 17-07-2012 | De: Lucas Félix

Eu tenho planos de escrever textos focados em Kaballah, no futuro. Quando eu fizer isso, pretendo, sem sombra de dúvidas, revisitar este post para demonstrar como tudo se interliga. Você está corretíssimo. Não só podemos traçar paralelos entre a Jornada do Herói e a Escada de Jacó, como podemos explicar, através da Kaballah, certas coisas como o porquê do mentor do herói morrer, o que significa a morte simbólica do herói, etc.

Tudo está ligado. Lembrar disso é essencial.

Monomito

Data: 17-07-2012 | De: Andreas

É muito bom observar a sincronicidade, melhor ainda fazer parte do processo. O texto veio na hora certa para mim. Anteontem mesmo eu assisti o filme Mindwalk (ponto de mutação), seguido de uma parte desse documentário do Campbell, A Mensagem do Mito, e na sequência coloquei no dvd o episódio da Jornada do Herói, mas não terminei de assistir, parei bem na parte onde aparece o Luke Skywalker entrando na taverna, onde encontra os heróis do passado, os que já foram e voltaram do lugar pra onde ele vai, a parte favorita de Campbell desse arquétipo. Hahaha, não sei se isso é o "efeito 2012" mas as coisas estão começando a ficar muito interessantes mesmo, é só prestar atenção em volta... let's dance! ;D

A jornada do herói

Data: 17-07-2012 | De: Rayana

Excelente! É um texto que vou marcar para referência futura.
Tudo acaba sendo ainda mais interessante quando estudamos teatro e a jornada do "protagonista", aquele que vive o conflito e a dor (Ágon). E isto, sabendo que desde crianças que a gente brinca de "herói", todos querem ser o protagonista...

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